quarta-feira, 22 de abril de 2009

Relembrando: FHC era o "cara"?


Em estado de graça
Em viagem à Europa, FHC esbanja intimidade com os poderosos. O país agradece. O eleitorado aplaude

O presidente Fernando Henrique está habituado a fazer sucesso em viagens ao exterior. Na semana passada, superou-se. Seu giro de seis dias pela Europa enfileirou alguns recordes. Na Espanha, fez o discurso mais elogiado entre quinze chefes de Estado que debatiam sobre autoritarismo e democracia. Na França, foi o primeiro presidente da América Latina a ocupar a tribuna da célebre Assembléia Nacional, onde, há mais de 200 anos, se sacramentou a igualdade entre os cidadãos. Foi interrompido nove vezes por aplausos, inclusive da esquerda francesa. Entre um compromisso e outro, foi convidado pelo primeiro-ministro da Inglaterra, Tony Blair, a dar uma esticada fora do roteiro oficial e pernoitar em Chequers, a tradicional residência campestre dos governantes ingleses. Também foi a primeira vez que um presidente brasileiro recebeu tal deferência. Em Chequers, FHC bebeu uma taça de champanhe Pol Roger, a preferida de Winston Churchill, o primeiro-ministro que comandou os britânicos na II Guerra Mundial, e ficou impressionado com o tamanho da biblioteca e o domínio de Blair sobre a realidade do Afeganistão. À noite, receberam uma visita rápida de Bill Clinton, ex-presidente americano. "Só não podem espalhar que jogamos pôquer", disse Fernando Henrique Cardoso a um interlocutor, que ficou sem saber se era verdade ou piada.
Nunca um presidente brasileiro desfrutou tanta intimidade com os dirigentes mais poderosos do planeta. FHC é recebido com deferência reservada apenas a estadistas de influência mundialmente reconhecida, o que é curioso para um político brasileiro. O Brasil cresceu muito, mas ainda é visto pelo Primeiro Mundo como um país com mais potencial do que realizações maduras nos campos econômico, político e social. Fernando Henrique carrega o lastro de uma nação de destaque entre os países emergentes, mas a atenção que lhe dedicam nas grandes capitais do mundo é desproporcional ao peso brasileiro no cenário internacional. Na semana passada, comprovou-se mais uma vez a razão dessa receptividade calorosa a FHC. Seu pronunciamento na Assembléia Nacional francesa não foi mais um discurso para preencher o tempo numa ocasião de cerimônia. Criticou os países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos, pela imposição de suas regras às outras nações e pela maneira como julgam natural uma ordem mundial sem igualdade verdadeira entre os países. Atacou ao mesmo tempo o terrorismo, que vem abalando o mundo desde 11 de setembro, e a intolerância dos países mais ricos e poderosos. Defendeu a criação de um Estado palestino com a autoridade de presidente de um país que, em 1948, apoiou a constituição do Estado de Israel. Seu discurso, severo mas equilibrado, conquistou-lhe elogios numa profusão que no Brasil ele não costuma receber.
O que faz o presidente de um país periférico desfrutar a intimidade dos grandes? Além da personalidade extrovertida de FHC, de sua cultura acadêmica e de seu gosto por rodar o mundo, existem outros fatores que facilitam a inserção do Brasil nos fóruns de discussão internacional. Na história brasileira houve oportunidades em que presidentes ou ministros gozaram de boa receptividade entre os dirigentes estrangeiros, como Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. A grande diferença é que o Brasil de Getúlio estava se urbanizando, dando os primeiros passos para formar seu parque industrial, e o Brasil de JK apenas começava a olhar para o mundo. De lá para cá, o mundo se transformou, o Brasil cresceu e deixou de ser o menino espoleta da comunidade financeira internacional. "Se Fernando Henrique tivesse aparecido na década de 30, a receptividade não seria a mesma", diz o cientista político Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Ele é o homem certo, com os homens certos, na hora certa."

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