quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Não em nome do Brasil.

Por Jose Serra:
As últimas semanas mostram o atual governo às voltas com múltiplos aspectos da herança maldita recebida do período Lula-Dilma.
Não são coisas novas, mas tudo foi obscurecido na campanha eleitoral do ano passado.
Fechadas as urnas e computados os votos, a verdade pôde aparecer. 
Para os grupos que estão no poder, o risco maior na tentativa de superação do passado é os exércitos da varrição atolarem, perderem velocidade diante das circunstâncias políticas, eventualmente batalhando entre si.
Nenhum governo rompe impunemente com a estrutura econômica e política que o fez nascer.
Um exemplo do atoleiro é o front externo.
O governo anterior, como foi tantas vezes assinalado, cultivou a opção preferencial pelas ditaduras e ditadores alinhados com os interesses do PT.
Os críticos foram acusados de querer empurrar o Brasil para uma posição subalterna, como se soberania fosse sinônimo de fechar os olhos às violações aos direitos humanos.
Antes mesmo de tomar posse, a nova presidente anunciou uma guinada de 180 graus: a defesa dos direitos humanos seria prioridade nas relações externas – os direitos humanos passariam a ser inegociáveis. Rompendo a tradição instituída por Lula, o Itamaraty chegou a votar contra o governo do Irã na ONU.
A largada comoveu, mas foi tudo.
No Conselho de Segurança, onde ocupamos no momento uma cadeira, o governo brasileiro tem sistematicamente contribuído para a blindagem política do ditador da Síria, Bashar Al Assad.
Como noticiou este jornal (19/8/11), o Itamaraty não se une àqueles que defendem a saída de Assad – EUA e Europa -, opõe-se a sanções e nem sequer aceita repreendê-lo.
Ao contrário, trabalha ativamente para encontrar uma solução que favoreça o ditador amigo.
Antes, a presidente Dilma já havia se recusado a receber a Nobel da Paz iraniana, Shirin Ebadi. Há espaço para fotos ao lado de pop-stars, mas não houve a generosidade de acolher em palácio essa batalhadora dos direitos das mulheres iranianas. Entre honrar a tradição diplomática brasileira e não contrariar o amigo ditador de Teerã, vingou a segunda opção.
Na Síria, os tanques e outros blindados vão às cidades rebeladas abrir fogo contra os que reivindicam banalidades democráticas, como liberdade de organização e expressão e eleições limpas. Há o temor de que a oposição política síria tenha, ela própria, raízes potencialmente autoritárias, mas esse é um assunto que diz respeito aos sírios, que não podem ter negado o seu direito à democracia.
O regime sírio e sua performance repressiva parecem, de fato, não incomodar o governo do PT.
Pesará o fato de o partido ter firmado, em 2007, um espantoso acordo de “cooperação” com o Partido Baath, de Assad?
Há palavras que dizem tudo.
 Neste caso, “cooperação” é um termo preciso para qualificar esse acordo, celebrado numa viagem a Damasco do então presidente do PT, Ricardo Berzoini.
 O texto é suficientemente anódino para parecer defensável aos incautos. Limita-se a listar irrelevâncias. Mas efeito simbólico foi e é um só: oferecer legitimidade a uma facção ditatorial que monopoliza o poder em seu país e impede a livre manifestação de quem se opõe.
Foi também uma cooperação entre partidos que levou o Brasil a ser indulgente com Kadafi?
Já passou da hora de o Itamaraty virar essa página.
O Brasil não tem por que continuar como avalista de Bashar Al Assad e do Partido Baath.
Se o PT deseja apoiá-los, que o faça, mas não em nome do povo brasileiro.
Os defensores de um certo pragmatismo afirmam ser inviável uma política que, a um só tempo, defenda os direitos humanos, respeite a soberania das demais nações e proteja os nossos interesses comerciais.
Mas é possível, sim.
Nossos diplomatas são capazes de encontrar um caminho soberano, de defesa do Brasil, e, ao mesmo tempo, fortemente vinculado às conquistas da civilização. Até porque a Síria é também um pedaço do Brasil.
Aqui, muitos imigrantes eram chamados de “turcos”, dado o passaporte que carregavam à época do Império Otomano.
 As raízes familiares dos descendentes, raízes sentimentais e culturais, essas são legitimamente sírias – sírias e protegidas pelos valores universais da democracia.

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