O discurso de posse do segundo mandato de Dilma
Rousseff perante o Congresso Nacional foi uma lamentável exibição de soberba,
desrespeito à verdade e ao discernimento dos brasileiros e uma ducha de água
fria para quem imaginava que, na hora de assumir a continuidade do comando de
um país que deixou pior do que quando o recebeu quatro anos atrás, a chefe do
governo tivesse um mínimo de humildade para estender a mão à metade do País que
não lhe deu o voto, mas faz parte da unidade dentro da diversidade que compõe a
Nação brasileira.
O que se viu assomar à tribuna do Congresso
Nacional transformada em palanque no dia 1º de janeiro foi a prepotência e o
desapreço pelo contraditório democrático de uma presidente que, como o seu PT,
se considera monopolista da virtude e defensora única dos fracos e oprimidos.
Uma presidente e um partido que não se pejam de, contrariando a evidência dos
números, das estatísticas e da própria lógica de sua estratégia de manutenção
do poder, proclamar que em 12 anos eliminaram "a tragédia da fome",
superaram "a extrema pobreza" e, de quebra, "apurou e puniu com
tanta transparência a corrupção", como se isso dependesse apenas da
vontade de Lula, Dilma & Cia. e não de instituições sólidas que a sociedade
brasileira está aprendendo a construir. E, principalmente, como se o PT não
tivesse tido a desfaçatez de promover a "guerreiros do povo
brasileiro" seus dirigentes-delinquentes condenados no julgamento do
mensalão.
O discurso de 40 minutos de Dilma parece ter saído
direto do caldeirão de prodígios do marqueteiro a quem, em substituição ao Lula
de 2010, coube o mérito de transformá-la em presidente reeleita. "Fui
reconduzida para continuar as grandes mudanças do País e não trairei este
chamado." "Este projeto de nação triunfou e permanece devido aos
grandes resultados que conseguiu até agora." "É a inauguração de uma
nova etapa neste processo histórico de mudanças sociais do Brasil."
Empolgada com um desempenho que imagina
absolutamente prodigioso nos seus primeiros quatro anos de governo, Dilma não
foi capaz de admitir sequer o menor erro entre os muitos que cometeu e dos
quais a nação é testemunha, muito especialmente na área econômica e fiscal.
Admitiu, no máximo, breves referências a "correção de distorções e
eventuais excessos". Nem foi capaz, como seria absolutamente necessário
diante da gravidade da situação, de cumprir satisfatoriamente o que prometera
no discurso de diplomação: "O detalhamento das medidas que vamos tomar,
para garantir mais crescimento, mais desenvolvimento econômico e mais progresso
social para o Brasil".
Ao invés de esclarecer, confundiu, contrariando a
equipe que nomeou para botar ordem nas contas do governo, gabando-se da redução
da dívida líquida do setor público, obtida graças à "contabilidade
criativa". Joaquim Levy e companheiros já deixaram claro — se Dilma
permitir, é claro — que pretendem trabalhar com o conceito de dívida bruta, que
traduz fielmente a realidade. Pior, Dilma não demonstrou o menor
constrangimento ao garantir que sempre orientou suas ações "pelo
imperativo da disciplina fiscal".
A retórica palanqueira, contudo, não obstante
esmerada em arroubos de autoglorificação, não conseguiu evitar que a verdade
transparecesse através das frestas da mistificação. "Mais que ninguém sei
que o Brasil precisa voltar a crescer", cometeu a imprudência de admitir,
assinando a confissão de que sob o seu comando o Brasil parou de crescer. Só
faltou, como sempre fez, atribuir os fracassos de seu governo não à própria
inépcia, mas a uma situação internacional adversa.
Mas Dilma não se poupou de, no melhor estilo
petista, inventar inimigos imaginários que precisam ser combatidos:
"Vamos, mais uma vez, derrotar a falsa tese que afirma existir um conflito
entre estabilidade econômica e o crescimento social".
A fala presidencial é rica, enfim, em
meias-verdades, inverdades inteiras, obviedades e platitudes, mistificação,
preconceitos, retórica oca. Reflete, infelizmente para a Nação, o pouco que
tinha a dizer. Para completar, Dilma apresentou-se como campeã da luta anticorrupção
e disse pretender estimular "uma nova cultura fundada em valores éticos
profundos". Como atribuiu a roubalheira na Petrobrás à ação de
funcionários miúdos e a uma conspiração internacional, já se sabe o que virá.
Opinião do Estadão
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