Governador de Minas
Gerais, Fernando Pimentel, afronta os brasileiros ao comparar, em solenidade, o
mártir da Inconfidência aos condenados do PT por práticas de corrupção.
Quando eclodiu o
escândalo do mensalão, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, então
prefeito de Belo Horizonte, tentou se distinguir dos demais colegas do PT. Para
se afastar dos dirigentes envolvidos na denúncia que atingia pela primeira vez o
coração do partido, Pimentel dizia pertencer à ala defensora da refundação da
sigla. Fatos recentes mostram que, dez anos e uma sucessão de escândalos
depois, o PT não mudou. Pimentel, sim. Em sintonia com o discurso atual da
maioria dos petistas, o governador de Minas Gerais afrontou os brasileiros e a
história do País ao comandar a tradicional solenidade de entrega da medalha da
Inconfidência, em Ouro Preto, no dia 21 de abril. Em discurso, Pimentel
lembrou a história de Tiradentes para defender colegas de partido envolvidos
nos diversos escândalos de corrupção que abateram a legenda. Afirmou que
Tiradentes “foi punido pela conveniência de não se punir mais ninguém. Foi
levado ao altar dos sacrifícios para saciar a sede de vingança dos poderosos da
época”, referindo-se indiretamente aos petistas que se colocaram como vítimas
das “elites”. “Todo réu é inocente até que sejam esgotadas todas as
possibilidades de defesa. Isso é um limite contra os desmandos, como aquele que
afligiu Tiradentes”, acrescentou ele numa alusão aos petistas implicados no
Petrolão, cujos processos ainda não transitaram em julgado.
“O ministro
Levandowski teve a coragem de ir contra os aparentes
consensos, guiado pelo incomparável senso da justiça”
Referência à atuação do magistrado no julgamento do mensalão,
em que defendeu penas mais brandas.
A manifestação em
prol dos companheiros de partido não se limitou ao discurso. Revelou-se também
na escolha dos homenageados. A maior honraria, o Grande Colar da Inconfidência,
foi conferida ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo
Lewandowski. O ministro teve papel de destaque no julgamento do mensalão e
ganhou a simpatia dos petistas por representar um dos poucos contrapontos ao
ex-presidente da Corte, Joaquim Barbosa, relator do processo e um crítico feroz
às práticas de corrupção do partido. A homenagem a Lewandowski poderia se
justificar pelo fato de o ministro ocupar atualmente a presidência do tribunal.
O governador mineiro, entretanto, fez questão de deixar claro o motivo de ser
ele o escolhido para receber a maior honraria mineira: sua posição em defesa de
penas mais brandas aos mensaleiros. “O ministro Levandowski já se mostrou fiel
a mais sublime e nobre missão de um magistrado. Teve a coragem de ir contra os
aparentes consensos, guiado apenas pela solitária e genuína convicção da
inocência ou da culpa, mas sem se deixar intimidar pelos clamores de um, de
outro, ou de qualquer lado. Guiado, senhor ministro, pelo incomparável senso da
justiça e pelo compromisso republicano e democrático que caracteriza Vossa
Excelência”, disse o governador.
A VOZ DAS RUAS
Manifestantes protestaram em Ouro Preto contra a decisão de Fernando
Pimentel de conferir a honraria a "apadrinhados do PT de reputação
duvidosa"
Entre os demais 140
agraciados com medalhas da Inconfidência havia outras figuras historicamente
ligadas ao PT. A principal delas, João Pedro Stédile, líder do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), que há menos de um mês prometeu, atendendo ao
chamado do ex-presidente Lula, colocar seu “exército” nas ruas para confrontar
os manifestantes que tomaram as avenidas do País contra a corrupção. “O
governador mineiro mancha a história daqueles que realmente fizeram jus a esta
homenagem”, lamentou o deputado estadual Gustavo Corrêa (DEM), que vai tentar
derrubar a honraria concedida a Stédile na Assembleia Legislativa.
“Tiradentes foi
levado ao altar dos sacrifícios
para saciar a sede de vingança dos poderosos”
Comparação com os petistas que se colocaram como vítimas das “elites”
A solenidade
ocorreu na Praça Tiradentes, mas não foi exatamente pública. O evento
ficou circunscrito a uma área cercada. Os que protestavam contra o governador,
Lewandowski e Stédile – cerca três mil pessoas – não puderam transpor a barreira. A
maior parte dos manifestantes vestia camisas pretas que representavam luto.
Erguia uma faixa onde se lia “A Inconfidência é dos brasileiros. Não do PT”.
Dizia protestar contra a decisão de conferir a honraria a “apadrinhados do PT
de reputação duvidosa”. O minuto de silêncio que caracteriza a solenidade há
décadas foi ignorado para evitar que os gritos de protestos ganhassem força.
Mesmo assim, no primeiro grande ato público de Pimentel em quatro meses de
governo, foi impossível disfarçar o constrangimento com a lamentável tentativa
do governador de transformar Minas em um anexo das convicções do petismo.
“Todo réu é
inocente até que sejam esgotadas as
possibilidades de defesa. Isso é um limite contra
os desmandos, como aquele que afligiu Tiradentes”
Alusão aos petistas envolvidos no Petrolão, cujos processos não transitaram em
julgado.
*Reportagem de Izabelle
Torres, na IstoÉ
· Fotos:
Manoel Marques/Imprensa MG; Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
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