terça-feira, 14 de julho de 2015

Para onde vamos?

"A tarefa para os brasileiros é se safar, política e democraticamente, do criador e da criatura. É uma questão de sobrevivência."
O Brasil está numa encruzilhada histórica. Para onde ir? Na República Velha, com todos os defeitos — que eram muitos —, a institucionalidade existente foi um anteparo durante mais de quatro décadas ao caudilhismo. Os principais líderes do período ficaram impossibilitados de exercer o poder à semelhança dos países platinos, assolados por este fenômeno desde o processo independentista. Um fazedor de presidentes, como o senador Pinheiro Machado, teve, se tanto, uma década de efetivo poder e, mesmo assim, não conseguiu chegar ao Palácio do Catete.
Os quinze anos do primeiro governo Getúlio Vargas se constituíram no primeiro momento que uma liderança caudilhista teve efetiva presença na cena política nacional. A ausência de liberdades durante mais de dez anos — excetuando o breve período 1934-1937 — acabou facilitando a consolidação da figura de Vargas, sem ter de travar um enfrentamento político com opositores devido à enorme concentração de poderes nas suas mãos.
O breve período democrático (1945-1964) acabou abrindo a possibilidade para a primeira liderança política efetiva, resultado do livre jogo eleitoral. Juscelino Kubitschek transformou seu quinquênio presidencial numa referência positiva de autoridade, dialogando com a oposição, injetando o país de otimismo e obtendo importantes vitórias no campo econômico.
O ciclo militar impossibilitou o surgimento de lideranças castrenses em parte devido às modificações adotadas, em 1965, que limitaram a permanência de oficiais em postos de comando e no mesmo grau hierárquico. A grande figura civil que emergiu do período foi Ulysses Guimarães, que, devido a diversas circunstâncias políticas, teve de ceder o posto para Tancredo Neves, como candidato oposicionista, em janeiro de 1985. A morte do presidente eleito e as particularidades da Nova República não permitiram ao Dr. Ulysses reassumir o papel exercido nos últimos anos do regime militar.
O processo eleitoral de 1989 deu ao país a possibilidade de restabelecer a democracia plena. Contudo, por decorrência de uma eleição solteira e do desgaste da presidência Sarney, acabou abrindo, pela primeira vez, as portas do Palácio do Planalto para dois candidatos antagônicos mas — paradoxalmente — similares. Incorporaram o figurino caudilhista, o salvacionismo popular, que, na República, ainda não tinha tido uma tradução tão perfeita como em Fernando Collor e Lula.
O impeachment acabou sinalizando a possibilidade de uma efetiva institucionalização da estrutura fundada pela Constituição de 1988. A ascensão de Itamar Franco ao governo, presidente sem carisma e nenhuma veleidade de caudilho, permitiu que sua sucessão ocorresse sem traumas e dentro da ordem constitucional. Fernando Henrique governou por oito anos e, na essência, de forma muito parecida com a do seu antecessor.
O ponto de ruptura ocorreu em 2002. A falta de compreensão da importância da eleição — deu até a impressão que o presidente desejava o triunfo do opositor — levou à vitória de Lula e do espírito caudilhista. Desde então a sua presença ofuscou, inclusive, lideranças do seu partido. O país passou a girar em torno dele, um caudilho de velho tipo, mesmo em plena vigência — suprema contradição! — da mais democrática e aperfeiçoada das constituições brasileiras.
Enquanto a economia dava sinais de vitalidade foi possível conciliar — na aparência — o caudilhismo com a democracia. Na essência, como seria de se esperar, foram solapados os fundamentos do Estado Democrático de Direito. A estruturação do que foi definido, com propriedade, na Ação Penal 470 como um projeto criminoso de poder, associou pela primeira vez na nossa história caudilhismo com um sólido partido político, dando sentido único a uma anomalia, que foi ocupando as estruturas de Estado.
A passagem do poder do criador para a criatura — sem carisma e história — trouxe mais um componente de crise. Que se agravou com as sérias dificuldades econômicas manifestadas a partir de 2013. O sistema político-institucional foi se esfarelando, não conseguindo dar respostas aos anseios da sociedade civil.
Vivemos o momento mais difícil desde a redemocratização de 1985. Não sabemos para onde ir. E o futuro próximo se avizinha cinzento. A pressão popular é desconsiderada pelos donos do poder. A desmoralização das instituições é evidente. Dois chefes de poderes — Dilma Rousseff e Ricardo Lewandowski — se encontraram em território estrangeiro para discutir não se sabe o quê. Ministro é acusado de chantagista cordial — ah, bons tempos do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda — e nada acontece. O PT teve um tesoureiro condenado pelo Superior Tribunal Federal por corrupção ativa e formação de quadrilha e seu sucessor, desde abril, também está preso. Em que país do mundo democrático há um partido no governo que tenha seus dois últimos tesoureiros presos?
Brasília está desconectada do Brasil. A vida segue na Praça dos Três Poderes como se o país vivesse no melhor dos mundos. A presidente diz que não vai cair com a maior naturalidade. Porém, dificilmente vai comer o peru de Natal no Palácio do Planalto. A gravidade da crise é tão grande que até seu criador está procurando uma forma de se livrar da criatura. O caudilho, que destruiu as instituições de Estado, tem plena consciência do significado negativo da permanência de Dilma para seu projeto pessoal. A tarefa para os brasileiros é se safar — política e democraticamente — tanto do criador, como da criatura. É uma questão de sobrevivência.
*Por Marco Antonio Villa é historiador

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