Plenário e galerias costumam manter, nos parlamentos, uma
relação sinfônica. Raramente a voz das galerias não repercute no plenário.
Aliás, a concepção do espaço é democrática: o "povo" na parte
superior e os parlamentares no andar de baixo. Desde cima, o "povo"
grita, aplaude, apupa e, lá embaixo, a sensibilidade política afina os ouvidos
e os discursos.
Escrevo "povo" assim, entre aspas porque raras,
raríssimas vezes, vi galerias ocupadas por pessoas interessadas na defesa do
bem comum, do interesse público. Na maior parte dos casos, nas mais agitadas
mobilizações, o "povo", na verdade, é formado por corporações
defendendo com veemência seus próprios interesses. O povo, assim, sem aspas,
estava sempre longe dali, tratando de ganhar a vida, trabalhando mais de cinco
meses por ano só para pagar impostos ao poder público. Esse povo, pagador das
contas, está sistematicamente desinformado a respeito dos maliciosos eventos em
que, às suas costas e custas, são assumidos encargos que aumentarão sua conta
com o fisco. Ou desqualificarão os serviços que recebe.
Aliás, não existem três possibilidades. Elas são apenas
duas. Como o governo não tem um único real que possa, legitimamente, chamar de
seu, toda elevação do gasto público significa necessidade de arrecadação maior
ou redução de qualidade e/ou quantidade nos serviços prestados.
Galerias satisfeitas, com demandas atendidas, significam
votos na urna para seus entusiasmados benfeitores no andar de baixo. Há alguns
anos, o Congresso Nacional descobriu um filão que permite aos congressistas
sair do varejo e promover essas operações eleitoreiras no atacado. Refiro-me às
conhecidas emendas à Constituição que estabelecem pisos salariais ou
estabelecer isonomias entre as categorias mais numerosas ou politicamente mais
ativas do serviço público. Tais propostas invadem as competências dos Estados e
municípios, cujos estreitos orçamentos são abalados por decisões federais que
lhes impõe encargos insuportáveis. Verdadeiros atentados à Federação!
Por essas e por outras, muitas outras, o RS, por exemplo,
não consegue implementar o piso nacional do magistério. Seu proponente foi
Tarso Genro, quando ministro da Educação. Meses mais tarde, coube-lhe, como
governador eleito, pagar a conta. Não conseguiu. Criou um contencioso
multibilionário com a categoria. Ao que se sabe, Tarso governador rompeu
relações com Tarso ministro a ponto de negar-lhe cumprimento.
A mais recente versão dessa demagogia com o dinheiro do
povo é a PEC que vincula os salários das carreiras da Advocacia-Geral da União
e de delegados civis e federais a 90,25% do salário dos ministros do Supremo
Tribunal Federal. Também estão incluídos procuradores de estado e de municípios
com mais de 500 mil habitantes. O custo total chega a R$ 2,4 bilhões por ano. O
"povo", é claro, lotava, na noite de ontem, as galerias da Câmara dos
Deputados que, sinfonicamente, aprovou o texto-base da PEC com votos favoráveis
de 445 deputados. Apenas 16 deputados votaram contra por considerar que essa
despesa é incompatível com a crise econômica e fiscal em que o governo petista
afundou o país. Trata-se, realmente, de uma pauta-bomba, que vai estourar no
nosso colo, agravando a situação financeira da União, dos Estados e dos
municípios.
(...)
* Texto de Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense
de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista
de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra
o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do
grupo Pensar+.
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