domingo, 9 de agosto de 2015

A pauta é bomba. E explode no nosso colo.

Plenário e galerias costumam manter, nos parlamentos, uma relação sinfônica. Raramente a voz das galerias não repercute no plenário. Aliás, a concepção do espaço é democrática: o "povo" na parte superior e os parlamentares no andar de baixo. Desde cima, o "povo" grita, aplaude, apupa e, lá embaixo, a sensibilidade política afina os ouvidos e os discursos.
Escrevo "povo" assim, entre aspas porque raras, raríssimas vezes, vi galerias ocupadas por pessoas interessadas na defesa do bem comum, do interesse público. Na maior parte dos casos, nas mais agitadas mobilizações, o "povo", na verdade, é formado por corporações defendendo com veemência seus próprios interesses. O povo, assim, sem aspas, estava sempre longe dali, tratando de ganhar a vida, trabalhando mais de cinco meses por ano só para pagar impostos ao poder público. Esse povo, pagador das contas, está sistematicamente desinformado a respeito dos maliciosos eventos em que, às suas costas e custas, são assumidos encargos que aumentarão sua conta com o fisco. Ou desqualificarão os serviços que recebe.
Aliás, não existem três possibilidades. Elas são apenas duas. Como o governo não tem um único real que possa, legitimamente, chamar de seu, toda elevação do gasto público significa necessidade de arrecadação maior ou redução de qualidade e/ou quantidade nos serviços prestados.
Galerias satisfeitas, com demandas atendidas, significam votos na urna para seus entusiasmados benfeitores no andar de baixo. Há alguns anos, o Congresso Nacional descobriu um filão que permite aos congressistas sair do varejo e promover essas operações eleitoreiras no atacado. Refiro-me às conhecidas emendas à Constituição que estabelecem pisos salariais ou estabelecer isonomias entre as categorias mais numerosas ou politicamente mais ativas do serviço público. Tais propostas invadem as competências dos Estados e municípios, cujos estreitos orçamentos são abalados por decisões federais que lhes impõe encargos insuportáveis. Verdadeiros atentados à Federação!
Por essas e por outras, muitas outras, o RS, por exemplo, não consegue implementar o piso nacional do magistério. Seu proponente foi Tarso Genro, quando ministro da Educação. Meses mais tarde, coube-lhe, como governador eleito, pagar a conta. Não conseguiu. Criou um contencioso multibilionário com a categoria. Ao que se sabe, Tarso governador rompeu relações com Tarso ministro a ponto de negar-lhe cumprimento.
A mais recente versão dessa demagogia com o dinheiro do povo é a PEC que vincula os salários das carreiras da Advocacia-Geral da União e de delegados civis e federais a 90,25% do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Também estão incluídos procuradores de estado e de municípios com mais de 500 mil habitantes. O custo total chega a R$ 2,4 bilhões por ano. O "povo", é claro, lotava, na noite de ontem, as galerias da Câmara dos Deputados que, sinfonicamente, aprovou o texto-base da PEC com votos favoráveis de 445 deputados. Apenas 16 deputados votaram contra por considerar que essa despesa é incompatível com a crise econômica e fiscal em que o governo petista afundou o país. Trata-se, realmente, de uma pauta-bomba, que vai estourar no nosso colo, agravando a situação financeira da União, dos Estados e dos municípios.
(...)
* Texto de Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

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