O Brasil nasceu por engano, recordei num post de 2011. Buscavam
o caminho das Índias as caravelas que em abril de 1500 perderam o rumo tão
espetacularmente que acabariam despencando nos abismos do outro lado do
mundo se não tivessem topado com aquela demasia de praias
com areias finas e brancas banhadas por ondas verdes ou azuis, matas
virgens e florestas maiores que muitos países, flores deslumbrantes e frutas
sumarentas, lagos plácidos e rios selvagens, peixe de água doce ou salgada,
bichos de carne tenra e, melhor que tudo, uma imensidão
de índias peladas.
O Brasil balançou no berço da
safadeza. Nem imaginaram que assim seria aqueles viventes cor de cobre, sem
roupas no corpo nem pelos nas partes pudendas, os homens prontos para trocar
preciosidades por quinquilharias, as mulheres prontas para abrir o sorriso e as
pernas para qualquer forasteiro, pois os nativos praticavam sem remorso o
que só era pecado do outro lado do grande mar, e não poderiam ser tementes
a um Deus ou a castigos prescritos pelos códigos católicos que desconheciam.
O Brasil nasceu carnavalesco.
Nem um Joãosinho Trinta em transe num terreiro de candomblé pensaria em juntar
na Sapucaí ─ como fez num porto seguro frei Henrique Soares, celebrante da
primeira missa, pelo menos é o que está no quadro famoso ─ um padre de batina
erguendo o cálice sagrado, navegantes fantasiados de soldados
medievais, marinheiros com roupa de domingo, índios com a genitália
desnuda que séculos depois seria banida por bicheiros respeitadores dos bons
costumes e a cruz dos cristãos no convívio amistoso com arcos,
flechas e bordunas.
O Brasil balançou no berço da
maluquice. Marujos convalescentes da travessia do Atlântico, atarantados com
a visão do paraíso, decidiram que aquilo era uma ilha e deveria
chamar-se Ilha de Vera Cruz, e assim a chamaram até alguém desconfiar,
incontáveis milhas além, que era muito litoral para uma ilha só, e então
lhes pareceu sensato rebatizar o colosso ausente de todos os mapas com o nome
de Terra de Santa Cruz, porque disso ninguém duvidava: era terra aquilo que
pisavam.
O Brasil nasceu sob o signo da
preguiça. Passou a infância e a adolescência na praia, e esperou 200 anos
até criar ânimo e coragem para escalar a muralha verde que
separava o mar do planalto, e esperou mais um século antes de
aventurar-se pelos sertões ocultos pela floresta indevassada, num esforço de
tal forma extenuante que ficou estabelecido que, dali por diante, tanto os aqui
nascidos quanto os vindos de fora, e todos os descendentes de uns e de outros,
sempre deixariam para amanhã o que deveriam ter feito ontem.
Tinha de dar no que deu.
Coerentemente incoerente, o Brasil parido por acaso hostilizou os
civilizadores holandeses para manter-se sob o jugo do império português, o
Brasil amalucado teve como primeira e única rainha uma doida de hospício, o
Brasil safado acolheu o filho da rainha que roubou a matriz na vinda e a
colônia na volta, o Brasil preguiçoso foi o último a abolir a escravidão,
o Brasil sem pressa foi o último a virar República, o Brasil carnavalesco
transformou a própria História num tremendo samba do crioulo doido.
O cortejo dos presidentes,
ministros, senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais,
prefeitos e vereadores aberto em 1889 informa que a troca de regime não
mudou a essência da coisa: o Brasil republicano é o Brasil
monárquico de terno e gravata, só que ainda mais voraz e mais cafajeste.
Extraordinariamente mais cafajeste, informa a paisagem deste começo de
século. Passados 500 e poucos anos, os piores herdeiros dos piores
degredados promoveram o grande acerto dos amorais, instalaram-se no
coração do poder e vão tornando decididamente intragável a geleia geral
brasileira.
Nascido e criado sob o
signo da insensatez, o país que teve um imperador que parecia
adulto aos 5 anos de idade foi governado por um analfabeto que se porta como
moleque irresponsável e agora é presidido por uma avó menos ajuizada que neto
de fralda. Com um menino sem pai nem mãe no trono, o Brasil não
sentiu medo. Com dois sessentões no comando, o Brasil que pensa se sente sem
pai nem mãe.
O início do terceiro mandato de
Lula parece uma continuação dessa biografia em miniatura do Brasil publicada no
começo do primeiro mandato de Dilma. Parece mas não é, gritam as mudanças na
paisagem ocorridas desde o julgamento do Mensalão. A crise econômica pulverizou
a fantasia da potência emergente inventada pelo embusteiro chefe. Ainda há
juízes no Brasil, vem reiterando há meses o irrepreensível desempenho de Sérgio
Moro. A Polícia Federal e os procuradores federais já provaram que a seita no
poder é um viveiro de corruptos, vigaristas e incompetentes.
A Operação Lava Jato vai
clareando a face escura do país. O PT está morrendo de sem-vergonhice. Figurões
do partido trocaram o palanque pela cadeia. Logo faltará cela para tanto
bandido. A supergerente de araque já virou ex-presidente. O fabricante de
postes agoniza nas pesquisas eleitorais. Nas ruas, milhões de indignados
exigem o fim destes tempos de tal forma infames que uma Mãe dos Ricos pôde
prosperar anos a fio disfarçada de Pai dos Pobres. Quase setentão, o filho de
uma migrante nordestina é um multimilionário pai de multimilionários.
Multidões de crédulos
vocacionais descobriram a tapeação: o maior governante desde Tomé de Souza era
apenas um guloso camelô de empreiteira. Lula não demorará a entender que
desemprego cura abulia, e que os velhos truques não funcionam mais. O que lhe
parece uma aula de esperteza foi um tiro no pé. Ao regressar a Brasília, ficou
mais perto de Curitiba. O início do terceiro mandato vai antecipar a
extrema-unção da Era da Canalhice. ( Augusto Nunes )
*http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/o-terceiro-mandato-de-lula-antecipa-a-extrema-uncao-da-era-da-canalhice/
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