sábado, 20 de fevereiro de 2016

Senado perdoa faltas e livra senadores de desconto.

Quase 80% das ausências acumuladas por eles em 2015 foram abonadas por “atividade parlamentar”, que, a rigor, pode ser qualquer coisa. Muitos nem especificam por que faltaram e, ainda assim, escapam de corte no salário.

Fotos: Moreira Mariz/Agência Senado
Magno Malta e Zezé Perrella deixaram de comparecer a mais de um terço das sessões. Como se justificaram, não correm risco de cassação

Luma Poletti e Rodrigo Vasconcelos

A Constituição estabelece, em seu artigo 55, que o parlamentar ausente a um terço das sessões ordinárias do Senado ou da Câmara perderá o mandato se não apresentar justificativa para as faltas. O senador ou deputado que desaparece do Congresso e não apresenta razões para isto tem os dias de salários cortados. Mas os senadores descobriram um jeito novo e simplório para driblar as punições: alegam apenas que estão em “atividade parlamentar” nos estados e ganham o abono da falta.
Levantamento exclusivo feito pela Revista Congresso em Foco revela que três de cada quatro senadores usaram esse tipo de explicação para suas ausências em 2015. Ao todo, 61 dos 82 parlamentares que passaram pela Casa e tiveram ao menos uma falta recorreram ao expediente. Das 1.072 ausências justificadas, 820 (76%) foram atribuídas a atividades parlamentares. Em tese, pode ser qualquer coisa que um congressista esteja fazendo, seja de interesse público ou relacionado ao seu mandato. Seja em Brasília, no seu estado ou até no exterior.
A Mesa Diretora do Senado abona as faltas mesmo quando a desculpa do congressista não especifica o local ou a agenda a ser tratada. É possível anular a ausência e evitar o corte no salário apenas com uma declaração do parlamentar. A Secretaria-Geral da Mesa explica que o senador sequer precisa apresentar comprovante sobre o tipo de atividade de que participou. O congressista só é obrigado a apresentar relatório de suas atividades fora do Legislativo quando a missão política implicar custo.
O número de ausências justificadas quase dobrou do primeiro ano da legislatura passada para esta. Em 2011, 669 faltas foram abonadas, ou seja, autorizadas pela Mesa Diretora ou pelo Plenário. Além das atividades parlamentares genéricas, os senadores podem usar como justificativa a participação em discussões ou eventos em que representam o Senado, as chamadas missões oficiais, e licenças médicas.
Nesses casos, não há desconto nos vencimentos, diferentemente do terceiro motivo admitido pela Casa: o afastamento para tratar de assuntos particulares. Em 2015, dois senadores atingiram o limite constitucional de faltas que implica a perda de mandato: Magno Malta (PR-ES) e Zezé Perrella. Mas, com as justificativas genéricas, eles não correm risco de perder o mandato.
Um terço fora
Campeão de ausências em 2015, Magno não compareceu a 49 das 127 sessões com previsão de votação. Apresentou 34 requerimentos alegando que ficou longe de Brasília em “atividades parlamentares” sem dizer quais. Outras duas faltas o senador atribuiu a problemas de saúde. Em todos os casos teve o ponto preservado. Com isso, apenas três faltas do senador capixaba ficaram sem explicação. A assessoria do parlamentar garante que ele não cometeu nenhuma irregularidade e que se ausentou do plenário para defender suas bandeiras políticas em audiências públicas e sessões importantes do Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo.
Quem mais utilizou o recurso da atividade parlamentar foi Zezé Perrella (PDT-MG). Ele faltou a 48 sessões deliberativas em 2015, mais de um terço do total de reuniões. Em quase todas as vezes, deu a desculpa genérica e teve as faltas abonadas, com exceção de dois dias em que ele alegou “motivos particulares”. Perrella fez duas viagens internacionais oficiais representando o Senado: uma visita técnica a uma empresa nos Estados Unidos, pela Comissão de Ciência e Tecnologia, e outra a Roma, também oficial, para conhecer o Parlamento italiano.
A assessoria de Perrella afirma que as ausências por atividade parlamentar não tiveram intenção de burlar o sistema de controle de presenças, e que todas se deram em razão do mandato. O pedetista também informou que precisava visitar as cidades onde foi votado para manter fiéis os eleitores. Ele só detalhou duas justificativas. Uma para visitar o local do desastre ambiental provocado pela lama da barragem de rejeitos da empresa Samarco, que atingiu distritos da cidade de Mariana (MG), e sua viagem para visitar o Congresso italiano. O senador assumiu o mandato em 2011, como suplente do ex-presidente Itamar Franco, morto naquele ano.
Além de Magno Malta e Perrella, também estão na lista dos mais faltosos de 2015 os senadores José Maranhão (PMDB-PB) e Gladson Cameli (PP-AC). Maranhão alegou que 25 das suas 41 faltas ocorreram porque estava doente com febre chikungunya. Em outras 14 oportunidades, o senador atribuiu suas ausências a atividades parlamentares na sua Paraíba. Cameli conseguiu abonar todas as 36 faltas. Ele informou que viajou ao Vietnã, à África do Sul e à França, onde participou da COP-21, a cúpula mundial do clima em Paris.
Sem justificativa
O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) é o campeão de ausências sem justificativas em 2015. Nos dois primeiros meses do ano passado, o parlamentar tirou licença para tratar da saúde. No lugar dele, assumiu o suplente Fernando Ribeiro (PMDB-PA). Entre abril e dezembro, Jader apresentou 11 justificativas para ficar longe de Brasília. Em nove delas alegou motivos particulares. Em outras duas, atividades parlamentares. O senador não apresentou qualquer justificativa para 14 faltas e teve os dias cortados. Jader não quis comentar o assunto.
Outro que registrou número alto de faltas injustificadas no levantamento da revista foi o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ele faltou a 11 sessões ao longo de 2015. Apenas uma delas foi atribuída a atividade parlamentar. As outras dez faltas não foram abonadas porque não houve apresentação de justificativa. A assessoria afirma que duas dessas ausências ocorreram por motivos pessoais. Nas outras oito, segundo o gabinete de Alcolumbre, o senador não registrou presença porque foi visitar o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e o então ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Os gabinetes das duas autoridades ficam a 300 metros do Congresso.

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